Tem, sim, senhor! Companhia formada para manter escola de circo faz a cidade respirar novos ares e descobrir mais do universo circense.
Pense em circo. Sem dúvida a figura do palhaço é uma das primeiras que vem à mente. Curioso é perceber que na maioria dos circos o palhaço apenas passa pelo palco e quando você menos espera já acabou, foi-se... Que venha a próxima atração! No circo Grock não é bem assim que a banda toca, quando Espaguete e Ferrugem adentram o picadeiro, eles entretêm a criançada quase uma hora e meia sem parar. Com roupas listradas e rostos pintados, utilizam vozes, caras e bocas sem cair no clichê e nem se tornar cansativos aos olhos do público.
Acervo pessoal |
O Grock não é tradicional, nem formado por uma “família de circo”. Situado no bairro de Candelária, zona sul de Natal, já é considerado roteiro cultural da cidade por ser fixo. O circo surgiu no começo de 2006, quando Gena Leão e Nil Moura, os palhaços Ferrugem e Espaguete retornavam ao Brasil depois de uma temporada na Europa. Com o desejo de criar uma escola de circo, eles necessitavam de um investimento inicial. Eis que resgatam a Companhia Caramelada, criada por eles na década de 90.
“Gargalhada Tradicional”, “Bravíssimo”, “Tu mais migo e eu mastigo” são alguns dos espetáculos que a companhia já apresentou por aqui. Nil conta que quando criança não tinha medo de palhaço e as oportunidades de ir ao teatro só aconteciam quando seu pai ganhava cortesias no trabalho. Assim passou a admirar cada vez mais os personagens coloridos e falantes.
Na cidade, havia poucas oportunidades para quem desejava ter formação artística. O Teatro Jesiel Figueiredo era a única opção e lá foi o moleque querer ser ator. Até perceber que queria mais: ser profissional era a sua ambição. Nil que já se divertia como palhaço, animando festinhas, partiu junto à namorada Gena para Vitória, ES, e em seguida para o Teatro Escola Macunaíma em São Paulo.
Sem saber aonde iam parar, os dois passaram por diversos países incluindo Alemanha, Suíça, França, Itália e Bélgica, tendo contato com artistas diversos, trocando idéias e experiências. “Nós nunca estávamos numa companhia teatral, mas sim um em companhia do outro”, conta Nil em tom de gracejo. A união dos dois e a paixão pelo circo já duram mais de 20 anos.
Para conseguir sobreviver, inicialmente na Alemanha, Nil trabalhou em uma montadora de cozinhas moduladas, e depois como percussionista em um grupo musical. Tudo isso para estudar no Last Minute Circo Teatro no qual fez uma especialização na interpretação e nas habilidades do ser palhaço.
Idas e vindas
Entre as idas e vindas ao Brasil os dois artistas criaram parcerias com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte atuando como fomentadores da cultura circense e multiplicadores culturais no programa de oficinas permanentes. Fora do país integraram importantes companhias como: Circo Knie na Suíça; Circus Revue na Alemanha; Circus Nock, Teatro Del'Arte na cidade de Rust, na Alemanha; Globe Theater, entre outros e no Brasil, o Grande Circo Popular do Brasil, do ator Marcos Frota.
Ser palhaço não é chegar de cara limpa diante do público e contar piadas. Ser palhaço é ser a própria piada. “Se expor ao máximo, e acima de tudo ter um impulso em fazer o outro rir. É preciso ter vocação”, afirma o palhaço Espaguete.
Gargalhada Tradicional
De volta ao Brasil em 2006, os dois potiguares começaram a movimentação para o seu objetivo maior: a Escola Potiguar das Artes do Circo. Mas dois palhaços apenas não fazem um circo, certo? Era necessário criar de fato uma companhia, um elenco para deixar o espetáculo completo, aquele seria uma ponte para a escola.
Convidaram então o mágico e ilusionista Eugênio “Angelus” Pacelli, irmão de Gena, que aceitou voltar ao picadeiro depois de anos afastado. Os malabares ficaram por conta de Lion Nathan e Gilson Filho, filho e sobrinho de Nil, que formam a dupla “Duo deno”.
Um pirofagista também passou a integrar o elenco. Luiz Nepomuceno teve seu primeiro contato com o meio artístico em uma oficina com os palhaços Espaguete e Ferrugem na Universidade Federal em 2000. Gostou da brincadeira e decidiu se aperfeiçoar. Enquanto os palhaços viajavam o adolescente, hoje com 24 anos recorria aos circos que chegavam à cidade. Nem sempre era bem recebido, mas foi dessa forma e sem dinheiro, que desenvolveu habilidades no tecido e de pirofagia, técnica de malabarismo com fogo. “Tinha que ter cara de pau para fazer o que fiz. Algumas vezes me encontrava escondido com os artistas desses circos em busca de treinamento e experiência, o dono não permitia esse tipo de contato”, revela Luiz, que hoje assume o personagem Hyou Drako quando entra em cena brincando com fogo.
Para compor a companhia houve ainda uma audição para bailarinas da cidade. Estava formada a Caramelada e o primeiro espetáculo, Gargalhada Tradicional.
A escola
A Escola Potiguar das Artes do Circo passa a funcionar no mesmo ano de criação do Circo Grock em 2006. O nome do circo foi uma forma de homenagear um palhaço suíço da década de 50, considerado o rei dos palhaços. A homenagem é, sobretudo, ao trabalho desenvolvido por Karl Adrien Wettach, o Grock que fundia as linguagens do teatro com o circo.
Em 2009 a Escola Potiguar das Artes do Circo tornou-se Ponto de Cultura através do Ministério da Cultura (MinC). Firmado o convênio com o MinC, o Ponto de Cultura recebe a quantia de R$ 185 mil, divididos em cinco parcelas semestrais, para investir no projeto apresentado.
A Escola Potiguar, já funcionou com algumas turmas, inclusive em conjunto com a Semtas – Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social. Nessa parceria crianças de rua assistidas pelo projeto Casa de Passagem tinham a oportunidade de aprender técnicas de circo. Agora o Grock espera o apoio financeiro do MinC para iniciar novas turmas e abrir as portas uma vez por mês gratuitamente.
O projeto da escola irá acolher 90 jovens, sendo 30 do ensino público, para a formação de um curso de três anos das artes circenses, totalmente gratuito. Os alunos irão aprender técnicas de solo, ginástica, saltos sobre cama elástica, percha, trapézio, malabares, equilíbrio sobre fio tenso, corda bamba, perna de pau, monociclo enfim de tudo um pouco. “Nosso objetivo é formar artistas que conheçam as variadas técnicas e estejam aptos a atuar no picadeiro”, completa Nil.
Resultados
A escola já apresenta os primeiros resultados. Sabe aquelas bailarinas que fizeram audição para compor o primeiro espetáculo, o “Gargalhada Tradicional”? Terminada a temporada elas permaneceram no circo e continuaram a integrar o elenco. Em três anos de estudo as meninas Margoth Lima e Larissa Castro, inicialmente bailarinas, aprenderam técnicas e evoluíram para um aparelho usado para acrobacias aéreas, a percha ou bambu. A dupla “Duo deno”, também aperfeiçoou seus malabares e técnicas no monociclo. O Luiz, pirofagista hoje, dá aulas particulares de tecido. “Estes sem dúvida foram os nossos primeiros alunos. Tanto é que já temos um contrato de trabalho firmado para estes jovens passarem três meses no Circo Estatal do Japão em 2010, se apresentando e estudando novas técnicas”, explica Nil com ar de satisfação.
“O nosso maior desafio ainda é incutir na cabeça das pessoas os valores dos artistas e do universo do circo. Ser uma escola, Ponto de Cultura, um circo fixo tem sua importância tanto formação da platéia como na dos artistas que antes tinham que se deslocar para outros estados em busca de formação”, complementa o artista.
*Texto produzido em 2009 para o concurso Itaú Rumos Cultural.